quinta-feira, março 13, 2014

POR EXPERIÊNCIA PESSOAL

O que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros. 1 João 1:3

No início de 1999, quando eu era pastor da Igreja Adventista Portuguesa de Toronto, tive a triste oportunidade de assistir ao funeral de Pedro A. Mitchell, 29 anos, filho do pastor C. Mitchell, que liderava uma igreja adventista no centro de Toronto, não muito longe de minha igreja. O sermão fúnebre foi pronunciado pelo pastor V. Kerr, então oficial do Departamento da Escola Sabatina na Associação de Ontário. Era impossível não perceber a emoção de Kerr. Também era notório o tom de autoridade de sua mensagem. Qual era o segredo? O pastor Kerr, poucos meses antes, havia perdido o próprio filho, Ben, assassinado por policiais norte-americanos. Por puro preconceito de cor, numa perseguição absurda de automóvel, a polícia matou o rapaz, que ia para o Oakwood Adventist College a fim de estudar teologia.

A aplicação é muito simples: a autoridade do que comunicamos como cristãos será sempre proporcional ao conhecimento pessoal e à experiência de primeira mão daquilo que queremos comunicar. É precisamente por isso que Jesus Cristo nos chamou para sermos Suas testemunhas, como enfatizado em Atos 1:8: "Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis Minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da Terra." A testemunha fala daquilo que presenciou, viu ou ouviu. Em outras palavras, Cristo não precisa primariamente de defesa ou de serviços de advocacia, mas do testemunho daqueles que O conhecem de maneira íntima, pessoal e experiencial. Do contrário estaremos apenas falando de uma teoria abstrata, pálida, sem poder, autoridade ou credencial.

É como na conhecida história dos dois sujeitos que recitaram o salmo 23, com diferentes resultados. Um impressiona pela arte da interpretação, o outro leva às lágrimas e à reflexão pela emoção da voz. Qual a diferença? Um conhecia o salmo do Pastor, o outro conhecia o Pastor do salmo!


quarta-feira, março 12, 2014

TOMÉ, O PESSIMISTA – II

Mas ele respondeu: Se eu não vir nas Suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no Seu lado, de modo algum acreditarei. João 20:25

Em seu amor e devoção por Cristo, Tomé, como tantos discípulos ao longo da história, é quase anônimo, preso pelas circunstâncias que envolvem sua personalidade tímida. Sua dedicação, por isso, é pouco vista, exceto em situações críticas, quando seu "eu real" é revelado. No capítulo 14 do Evangelho de João, nos deparamos novamente com seu pessimismo crônico. Jesus está de partida para a casa do Pai, mas anuncia que voltará. O caminho para Ele, contudo, é conhecido pelos Seus (v. 4). A reação de Tomé é quase infantil: "Senhor, não sabemos para onde vais; como saber o caminho?" (v. 5). Essencialmente, Tomé está dizendo: "Nós nunca chegaremos lá. Melhor seria que tivéssemos morrido antes; assim, não O veríamos partir. Agora, como vamos encontrá-Lo?" Tomé estava preparado para morrer com Cristo, mas não para viver sem Ele.

Um pouco depois, seus piores receios se realizaram. Jesus fora crucificado! Ressuscitado, Ele aparece aos apóstolos, devastados pela tragédia. Jesus vem a eles através de portas fechadas, como Ele vem a nós muitas vezes. Mas Tomé "não estava com eles" (Jo 20:24). Onde estaria? Tão pessimista, deprimido e melancólico, provavelmente estivesse arrasado, amargando sozinho sua miséria. Quando finalmente ele aparece, os outros tentam consolá-lo: "Vimos o Senhor." É por causa de sua reação que Tomé recebeu a alcunha de "incrédulo". Mas não sejamos tão severos com ele. Os outros também, de início, duvidaram da ressurreição (Mc 16:10-14). Oito dias depois, Jesus reaparece ao grupo. Nesse momento, dirige-Se a Tomé em suave repreensão: "Vê as Minhas mãos" (Jo 20:27).

Jesus sabia que Tomé era assim por natureza. Ele não ignora que Seu discípulo ainda estava paralisado pela dor, solidão, depressão e tristeza. Entretanto, Ele conhecia a sinceridade de sua devoção. Jesus também sabe de nossas fraquezas, incertezas e dúvidas. Ele é paciente com os pessimistas. Tomé se lança a Seus pés e pronuncia um belíssimo tributo: "Senhor meu e Deus meu!" (v. 28). Segundo a tradição, Tomé foi missionário na Índia, onde morreu transpassado por uma espada. Livrou-se afinal de seu pessimismo? Talvez. Mas isso não importa. Jesus não deixou de amá-lo e o aceitou como ele era. Isso é graça!


terça-feira, março 11, 2014

TOMÉ, O PESSIMISTA – I

Então Tomé, chamado Dídimo, disse aos condiscípulos. Vamos também nós para morrermos com Ele. João 11:16

Ao contrário de Pedro, que sempre ocupa o primeiro lugar nas listas dos apóstolos, Tomé aparece no grupo liderado por Filipe. Em duas listas, ele é o último relacionado (Mc 3:16-19; Lc 6:14-16). Ou então é referido em lugares secundários (Mt 10:2-4; At 1:13).
Aparentemente, ele manifestava uma personalidade negativa, tendendo à melancolia, talvez mais vítima do pessimismo do que da dúvida. No Evangelho de João, Tomé também é chamado Dídimo (Jo 11:16), palavra aramaica para "gêmeo". Provavelmente ele tivesse um irmão (ou irmã) gêmeo, mas isso não é indicado nas Escrituras.

Mateus, Marcos e Lucas não apresentam detalhes sobre ele. O pouco que sabemos de Tomé vem do Evangelho de João. Parece que ele costumava estar sempre na esquina escura da vida. Alguém que tendia a antecipar o pior. Apesar disso, com aquilo que é dito sobre ele em João surge um perfil admirável. O texto de hoje o descreve no clima da enfermidade e morte de Lázaro. Maria e Marta enviam um mensageiro para comunicar a tragédia a Jesus. Observe o contraponto: antes de Jesus deixar Jerusalém, indo para a região além do Jordão, os judeus haviam tentado apedrejá-Lo (Jo 10:31). Quando os discípulos percebem que Jesus planeja voltar, relembram o perigo: "Ainda agora os judeus procuravam apedrejar-Te, e voltas para lá?" (Jo 11:8).

Mas Seus amigos em Betânia, a 3 quilômetros de Jerusalém, estavam numa emergência. Nada impediria que Ele fosse em socorro deles. É aqui que se abre perante nós um impressionante traço do caráter de Tomé. Seu espírito de liderança e sua coragem tornam-se evidentes. Tomé eleva-se acima do medo do grupo e diz com firmeza: "Vamos também nós para morrer com Ele." Pessimismo?
Certamente. Um otimista teria dito: "Vamos lá, vai dar tudo certo!" Tomé não vê outra coisa senão desastre à frente. Mas, se o Senhor vai morrer, ele diz: "Vamos juntos para morrer com Ele." Temos que admirar sua determinação. Tomé tinha a coragem para ser leal face ao perigo. Para otimistas, a coragem é sempre mais fácil.

O quadro me emociona. Tomé, em sua devoção a Cristo, não tem plano "B". Ele não podia imaginar a vida sem Cristo. Seu compromisso é incondicional. "Se Ele vai morrer, é melhor morrer com Ele do que ficar para trás", pensava Tomé. Este é um exemplo de coragem e zelo que desafia indecisos discípulos modernos.


SOB TUA PALAVRA

Quando acabou de falar, disse a Simão: Faze-te ao largo, e lançai as vossas redes para pescar. Respondeu-Lhe Simão: Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos, mas sob a Tua palavra lançarei as redes. Lucas 5:4, 5

Jesus pregou de muitos púlpitos. No lago de Genesaré, também conhecido como Mar da Galileia, Seu púlpito foi um barco. Os pescadores haviam retornado da noite extenuante de mãos vazias e lavavam as redes. "Entrando em um dos barcos, que era o de Simão, pediu-lhe que o afastasse um pouco da praia; e, assentando-Se, ensinava do barco as multidões" (v. 3). Agostinho observa que essa é a primeira ocasião em que o "pescador" está na água, e os "peixes" em terra.

O foco da narrativa do chamado dos discípulos em Lucas é diferente da descrição de Mateus (4:18-11) e Marcos (1:16-20). É provável que pelo menos sete dos discípulos fossem pescadores (Jo 21:1-3). Jesus já os conhecia e era conhecido deles. Haviam viajado juntos de Cafarnaum para a Galileia (Mc 1:21-39). Tinham estado juntos no milagre de Caná (Jo 2:1). Provavelmente eles seguissem Jesus em "tempo parcial" entre uma pescaria e outra. Agora eles estão diante do chamado para o serviço de "tempo integral".

Em breve, serão desafiados a se tornar "pescadores de homens" (v. 10). Há, porém, uma lição fundamental que devem aprender de início. Jesus ordena a Pedro que navegue para águas profundas e lance a rede. A reação de Pedro é a palavra do especialista, do pescador experimentado, diante da ordem de um carpinteiro: pesca de rede não se realiza de dia e em alto-mar, quando os peixes estão escondidos da luz, nas águas claras da Galileia. Pedro deve ter visto o contrassenso do pedido. Absurdo? Ridículo? Ele simplesmente agiu: "Sob a Tua palavra lançarei a rede."

Provavelmente você já tenha ouvido ordens divinas em diferentes áreas da vida: nos negócios, no casamento, nos estudos, nos relacionamentos ou nas diversões. Talvez tenha ficado oscilando entre as "evidências" e a obediência. O que Deus pede, às vezes, pode parecer contrário à experiência, à prática e à inclinação. Contudo, Ele está acima de nossas fracas percepções, conhecimento e senso comum. Apenas quando Lhe obedecemos, mesmo contrariando a "lógica", podemos experimentar o sucesso. Veja a conclusão do relato (v. 6, 7): "apanharam grande quantidade de peixes", "rompiam-se-lhes as redes", encheram dois barcos "a ponto de quase irem a pique".


domingo, março 09, 2014

NA CONTRAMÃO...

Responderam eles: Jamais alguém falou como este homem. João 7:46

O livro Jesus para Presidente, de Roland Merullo, escrito de uma perspectiva não religiosa, apresenta a extraordinária ficção de Jesus Cristo como candidato à presidência dos Estados Unidos. O surpreendente nessa "candidatura" são os métodos políticos de Cristo, se é que os podemos chamar de "políticos". Sua simplicidade, sinceridade e desconcertante transparência são radicalmente diferentes de tudo aquilo que conhecemos dos políticos profissionais e de sua forma de comportamento. De uma maneira divertida, irreverente e às vezes emocionante, o livro inicia com os tipos que Jesus escolhe para Seu comitê: um jornalista cético, a família disfuncional, a namorada secular, o chefe materialista. São as pessoas menos prováveis, mas que afinal se tornam inteiramente comprometidas com Jesus.

De certa forma, o livro reflete o Cristo que encontramos nas narrativas dos evangelhos. Reflete Sua desconsideração sistemática por aquelas coisas que usualmente consideramos tão importantes e Sua rejeição dos símbolos exteriores do poder: dinheiro, posição, aparência, sofisticação e grifes, entre outras coisas. Jesus nunca "dourou a pílula" para persuadir alguém a aceitá-Lo e segui-Lo. Ao contrário, até parece que Ele colocava empecilhos ao discipulado. "Quem quiser ser Meu discípulo tome sua cruz e siga-Me", 
Ele disse. "Aquele que não abandonar pai, mãe e irmãos não pode ser Meu discípulo", também afirmou.

Seus ensinos e Sua ética são verdadeiros paradoxos para nós. Que rei se sacrificaria por seu povo? Reis e governantes costumam ser dominados pela sedução do poder. Por isso, muitas vezes sacrificam seus súditos. Que tipo de rei lavaria os pés de seus servos como fez Jesus? Que governante livremente se associaria com os mais humildes membros da sociedade? Há pessoas em posição de poder secular e também religioso que mantêm a "mística da liderança", traduzida por distância e afastamento.

Qualquer um que conversasse com Jesus sairia grandemente intrigado. A pessoa ficaria consideravelmente perturbada por Sua lógica desafiadora e em razão de Sua perspectiva das coisas. Não é por acaso que Jesus exerce sobre milhões de pessoas como você e eu um extraordinário fascínio. Isso porque, no fundo, somos impressionados pela sinceridade, pureza, honestidade, transparência, integridade e coerência acima de qualquer interesse e vantagens pessoais.


sábado, março 08, 2014

DEUS E OS DEUSES

Em toda matéria de sabedoria e de inteligência sobre que o rei lhes fez perguntas, os achou dez vezes mais doutos do que todos os magos e encantadores que havia em todo o seu reino. Daniel 1:20

O livro de Daniel apresenta um claro conflito entre Deus e os deuses, entre a verdadeira e a falsa adoração. Nos versos iniciais do livro, Jerusalém e Babilônia aparecem em confronto. Esse é um tipo de polarização que ocorrerá no tempo do fim. O livro indica que a vitória pontual de Babilônia acontece apenas por permissão divina: "O Senhor lhe entregou nas mãos a Jeoaquim, rei de Judá" (v. 2). Nabucodonosor é apenas um instrumento do juízo divino contra Israel. Mero contraponto de uma história muito mais ampla.

Em meio às complexas linhas dos eventos, mesmo diante da vitória de Babilônia e do fato de os utensílios sagrados do templo divino terminarem dessacralizados num templo pagão, Deus continua no controle. Daniel e seus amigos são representantes do triunfo divino. Levados a Babilônia, eles não se deixam seduzir pelo inimigo. Os esforços para "aculturá-los" são inúteis. Eles "resolveram firmemente" resistir aos assédios babilônicos. Em um teste posterior, em "inteligência e sabedoria", são dez vezes mais bem-sucedidos que todos os magos e encantadores do reino. Surpreendentemente, no capítulo 2, diante de seu sonho enigmático, Nabucodonosor, que já constatara a superioridade dos hebreus, convoca primeiro os "magos, encantadores e feiticeiros" de seu reino (Dn 2:2). Por quê? A rebelião humana se opõe a Deus mesmo diante das maiores evidências.

Outro aspecto curioso é que Babilônia e o sonho de seu rei tinham um antecedente histórico. Faraó, no antigo Egito, também tivera um sonho (Gn 41:1). Ele também havia confiado em seus "magos e sábios" (v. 8) para que o mistério fosse desvendado. Nos dois casos, contudo, os recursos humanos em oposição a Deus foram envergonhados, demonstrando sua impotência patética. Nos dois casos, os deuses falsos não podiam explicar nada. Os representantes da sabedoria do homem tiveram sua oportunidade, mas tudo que puderam demonstrar foi tolice e incapacidade. O Altíssimo não apenas vê o futuro, mas controla a história. Tanto José (Gn 41:16) quanto Daniel (Dn 2:28) apontam para Deus como o único que pode revelar o desconhecido. Afinal, constatamos o triunfo de Deus a despeito das aparências adversas. A vitória pertence ao Senhor.


sexta-feira, março 07, 2014

O DIA DAS MULHERES

Criou Deus, pois, o homem à Sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Gênesis 1:27

No registro do Gênesis, a mulher é o clímax da obra criadora de Deus. Com ela, Deus encerra Sua atividade. Depois da criação dela, tudo é "muito bom". Levando-se em conta que na mente hebraica o "melhor é o fim" (Ec 7:8), a criação só está completa quando a graça feminina aparece em cena. Você já imaginou um mundo sem as mulheres? Como seria a realidade sem a doçura, a meiguice e o jeito incomparável delas? Bem, a dificuldade começaria com o fato de que, sem elas, nenhum de nós existiria. Um mundo sem mães, esposas, irmãs, noivas, namoradas e amigas é inviável.

Os homens gostam de divulgar que eles possuem 23 milhões de neurônios, enquanto as mulheres possuem "somente" 19 milhões. Que diferença isso faz? Exatamente nenhuma. As mulheres, como Stephen Kanitz observa, compensam essa diferença de neurônios processando informação de modo diferente dos homens. Os homens pensam de forma sequencial, etapa por etapa, comparando o fato com regras preestabelecidas, com conclusões "sim-não", "certo-errado". As mulheres raciocinam em paralelo, avaliam dezenas de variáveis. Tudo feito ao mesmo tempo. Por isso, dizemos que elas são "intuitivas". A questão é que elas simplesmente processam informação mais rapidamente. São mais abrangentes. Sabe-se hoje que as mulheres possuem 13% mais conexões entre os neurônios do que os homens. Nisso a diferença de neurônios é compensada. Por esse motivo, as mulheres conseguem cuidar de diversas coisas ao mesmo tempo.

As mulheres costumam ser menos dogmáticas e mais conciliatórias. Em brigas de casais, os homens normalmente discutem causa e efeito.

As mulheres geralmente discutem sentimentos e emoções. Já ouviram que as mulheres "não sabem administrar"? Ainda segundo Kanitz, as 400 maiores entidades nacionais beneficentes são mais bem administradas do que a maioria das empresas brasileiras. Razões? Clareza de propósito, ética, motivação de funcionários, etc. Mas a razão principal é que a maioria dessas entidades beneficentes é administrada por mulheres. Aí elas conseguem demonstrar seu estilo feminino de administrar, com sensibilidade, percepção e empatia. Hoje, agradeça a Deus o clímax de Sua obra criadora.


A MÃO NA PAREDE

No mesmo instante, apareceram uns dedos de mão de homem e escreviam, defronte do candeeiro, na caiadura da parede do palácio real. Daniel 5:5

Daniel 5 é o último capítulo histórico do livro que enfoca Babilônia. Ele descreve as horas finais do império. A invasão medo-persa já estava em processo. Essa narrativa das Escrituras veste-se de um pesado manto de solenidade. Belsazar ocupa o trono em lugar de seu pai, Nabonido, como corregente. Embriagado, ele manda trazer os utensílios sagrados de ouro e prata que Nabucodonosor, seu avô, havia tirado do templo do Altíssimo em Jerusalém.

O único registro de Belsazar nas Escrituras aparece nesse quadro insolente e blasfemo. Insolência e blasfêmia estão a um passo do orgulho e da arrogância. No capítulo 4, Nabucodonosor fora visitado pelo julgamento divino. Belzasar conhecia a história de seu avô, de sua humilhação e final conversão, mas isso não exerceu qualquer efeito sobre ele. Na presença de seus convidados, ele encenou sua insanidade final. Bêbados "deram louvores aos deuses de ouro, de prata, de bronze, de ferro de madeira e de pedra" (v. 4). Essas seis classes de deuses falsos mencionados relembram a abominação da idolatria de Babilônia, tema que reaparece no Apocalipse.

Naquele momento, uma misteriosa mão começou a escrever "defronte do candeeiro". A cena é aterradora. Os dedos dançavam enigmáticos sob a luz trêmula na parede. "Então se mudou o semblante do rei, os seus pensamentos o turbaram, as juntas dos seus lombos se relaxaram, e os seus joelhos bateram um no outro" (v. 6). A arrogância desaparecera. Em seu lugar surgiram todos os sintomas do terror e do medo. A mesma mão que escrevera na pedra proibindo a idolatria, agora escrevia na "parede caiada" o julgamento dos idólatras. Essa era a última noite na história de Belsazar: "Pesado [...] e achado em falta" (v. 26). Ciro já havia desviado o curso do Eufrates. Naquele momento, ele invadia a cidade pelo leito seco do rio.

Há sempre uma última noite para tudo e todos. A última festa, a última dança, o último filme, o último cigarro, o último drinque, a última refeição, o último prazer. A natureza humana, contudo, sob a narcótica ação do pecado, facilmente se esquece disso, como Belsazar se esqueceu do que testemunhara na vida do avô. Ore hoje por discernimento espiritual e permaneça em estado de alerta.


quarta-feira, março 05, 2014

OS SANTOS QUE ESTÃO EM...

Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, aos santos que vivem em Éfeso, e fiéis em Cristo Jesus. Efésios 1:1

Paulo inicia algumas de suas epístolas com este tratamento. Mesmo escrevendo à problemática igreja de Corinto, marcada por enormes dificuldades, divisões e heresias, o apóstolo chama seus membros de "santos" (1Co 1:2; 2Co 1:1). Mas, afinal, santos não são pessoas que já morreram e que em vida alcançaram tamanha preeminência espiritual que mereceram esse título?

Segundo a Igreja de Roma, Frei Galvão (1739-1822) é o único santo nascido no Brasil. Ele foi canonizado em 2007. De acordo com essa compreensão, para que alguém seja declarado santo, são necessários pelos menos dois milagres confirmados. Também há um longo e rigoroso escrutínio de conduta para que se determine se o candidato se qualifica para o título.

Talvez nenhuma palavra bíblica tenha sofrido mais deformação do que o termo "santo". Mesmo no dicionário, o vocábulo é definido como aplicável a uma pessoa oficialmente reconhecida por excelência moral. O irônico é que as Escrituras nada sabem a respeito dessa crendice religiosa. Apenas na pequena Epístola aos Efésios, em nove ocasiões Paulo dirige-se a seus leitores chamando-os de "santos". Observe: eles são santos vivos, não mortos, apesar de outrora terem estado mortos em "delitos e pecados" (Ef 2:1-3). Também é evidente que eles jamais realizaram qualquer milagre, embora tenham experimentado o grande milagre da fé em Cristo como Salvador (Ef 2:4-10).

Nas Escrituras, as palavras hebraicas kadosh e kadesh ou as gregas hagios e hagiazo ocorrem centenas de vezes, sendo traduzidas como santo, santidade,

santificação, santificar. O significado básico desses termos é: "colocar de lado", "separar", "colocar à parte" para o uso de Deus e de Seu serviço. Um objeto, instituição e pessoa tornam-se santos pelo fato de pertencerem a Deus e a Seus propósitos.

Você que recebeu Jesus como seu Salvador foi separado para Seu serviço. Nesse sentido, você é santo. Vivendo em São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Recife, Brasília ou em qualquer outra cidade, grande ou pequena, você é considerado santo. Como você pretende viver hoje diante dessa revolucionária verdade bíblica? Lembre-se também do seguinte: nós não avançamos para a santidade, como se ela estivesse no futuro, mas avançamos em santidade hoje!


terça-feira, março 04, 2014

REPENSANDO A PARÁBOLA

Porque tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de não virem também para este lugar de tormento. Lucas 16:28

A força da mensagem contida na parábola do rico e Lázaro tocou a vida de Albert Schweitzer. Ele viu a África como um mendigo, jazendo nos portões da Europa. Como médico cristão, dedicou-se em serviço de compaixão no continente africano. O propósito dessa parábola, como vimos, não é oferecer uma doutrina sobre o estado dos mortos, mas chamar nossa atenção para a oportunidade de utilizar nossos recursos para servir enquanto temos vida.

A dramática narrativa foi provavelmente precipitada pela atitude dos fariseus, que "amavam o dinheiro" (Lc 16:14, NTLH). Quando esses "piedosos" atores ouviram que, segundo Jesus, é impossível "servir a Deus e às riquezas" (v. 13), eles O ridicularizaram (v. 14). Jesus conta então essa história (v. 19-31). O drama em três atos nos estarrece. Primeiro, Jesus descreve o contraste dos estilos de vida dos personagens. Lázaro, o mendigo, permanece "invisível" em sua miséria. O rico vive de modo indulgente, em suas roupas e banquetes.
Hoje, mais que nunca, o uso egoísta das posses levanta barreiras. Socialites aparecem em festas extravagantes, com vestes de grifes de preços assombrosos, ou gastos patológicos com luxos para animais de estimação. No segundo ato do drama, os personagens surgem por ocasião da morte. Lázaro está próximo de Abraão, o pai de Israel. Dives teve funeral suntuoso, talvez até tenha sido declarado feriado. Mas foi para o hades – segundo a crença popular, o local de castigo. Não que ele fosse irreligioso, pois até clama ao "pai Abraão" (v. 24). Talvez tivesse sido um bom praticante da religião. Contudo, viveu sem amor, cavando fundas valas ao redor de si. A terceira cena é o diálogo entre o rico e Abraão. Os pedidos são negados, e Abraão afirma uma verdade universal: aqueles que são surdos à voz de Deus em Sua revelação não serão convencidos por milagres e sinais.

Qual o pecado de Dives? Nunca ter notado Lázaro. Qual é o nosso? Cada ano, entre 15 a 20 milhões de pessoas morrem de fome e enfermidades relacionadas a ela. Cerca de 12 milhões são crianças com menos de 5 anos.

A cada ano, 250 mil crianças se tornam cegas por falta de vitaminas. Você passa por muitas delas a caminho do trabalho, escola, igreja ou em sua porta. Você as vê? Nosso pecado é que simplesmente não fazemos nada.


OS VIZINHOS QUE NUNCA SE ENCONTRARAM – II

Aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico e foi sepultado. Lucas 16:22

Jesus não economiza palavras para descrever o quadro. Lázaro, sobrevivendo de magra caridade, "jazia cheio de chagas", indicando que ele era desabilitado, dependendo de outros para movê-lo. "Cães lambiam as suas úlceras" (v. 21), ele era incapaz mesmo de se proteger. Faminto, desejava alimentar-se das migalhas de pão que caíam da mesa do rico. No Oriente, pedaços de pão serviam tanto de garfo como de guardanapo, e eram jogados ao chão depois do uso.

A morte de Lázaro não surpreende ninguém. Seu enterro nem mesmo é descrito. Na sabedoria convencional dos judeus, a miséria na terra era resultado da desaprovação divina. O destino de Lázaro, entretanto, é o "seio de Abraão". Reversão maior não poderia ser imaginada. Dives, o rico, também morre. Funeral custoso é realizado com o luxo adequado à sua riqueza, mas não há nenhum anjo para transportá-lo. Na próxima cena, encontramos Dives no Hades – na tradição grego/judaica, o lugar de tormento. O abismo entre os dois é maior do que aquele criado pela riqueza contrastante com a miséria da cena anterior.

Para os que querem literalizar a parábola, uma questão é interessante: deveriam explicar se o Céu e inferno estão próximos o suficiente para que haja diálogo entre um lado e outro. Na realidade, esses detalhes sugerem apenas um aspecto prático da vida, não uma teologia ou doutrina sobre o estado dos mortos.

Como se Lázaro fosse seu escravo, Dives pede ao "pai Abraão" que o mande trazer-lhe água e depois solicita que o envie a advertir seus cinco irmãos, que caminham para a mesma direção (v. 24-28). Há milhões que são imitadores do homem rico: "Eu creria se Deus fosse mais claro." Assim, Deus é considerado culpado pela incredulidade deles. A resposta de Abraão é demolidora: "Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos" (v. 29). Se não crerem nesses, não crerão "ainda que ressuscite alguém dos mortos" (v. 31). A lógica de Abraão é confirmada pela ressurreição de outro Lázaro (Jo 11). Em lugar de crerem, o milagre tornou-se razão para endurecimento adicional. Deus fala por meio de Sua criação, da história, da Palavra escrita e da Palavra encarnada, Jesus Cristo. Não necessitamos de nada mais. O que realmente precisamos é de um coração sensível. Nosso problema não é revelação insuficiente, mas fé insuficiente. Afinal, não é a riqueza que exclui Dives do Céu, mas sua incredulidade.


domingo, março 02, 2014

OS VIZINHOS QUE NUNCA SE ENCONTRARAM – I

Ora, havia certo homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo e que, todos os dias, se regalava esplendidamente. Havia também certo mendigo, chamado Lázaro, coberto de chagas, que jazia à porta daquele. Lucas 16:19, 20

Dives, que em latim significa "homem rico", e Lázaro eram vizinhos. Diariamente passavam um pelo outro no portão da casa do rico. Mas, ao que parece, os dois realmente nunca se encontraram. A razão é reveladora: Dives vivia tão absorvido com seu indulgente estilo de vida que nunca notou a presença do pobre homem. Lázaro, como os pobres em geral, era "invisível".

Muitos têm tentado usar essa parábola em apoio à teoria de um inferno em que as pessoas queimam eternamente, desenvolvendo assim uma precária geografia do Céu e do inferno. Porém, segundo Romanos 6:23, "o salário do pecado é a morte". Não é uma "vida no inferno". Esse texto diz ainda que "o dom gratuito de Deus é a vida eterna". Vida eterna e morte eterna são colocadas em contraste; do contrário, nós teríamos dois tipos de vida eterna: uma no Céu e outra no inferno.

Jesus está usando linguagem figurativa. Termos como "sede", "ponta do dedo", "água", "língua" e "seio de Abraão" não podem ser entendidos literalmente. Jesus utiliza noções comuns que haviam adentrado o judaísmo pós-exílico, sob a influência da filosofia grega, para ensinar uma lição básica: todos nós temos apenas uma oportunidade para servir, e essa é enquanto estamos vivos. Por esse caminho passamos apenas uma vez. Não há nenhuma possibilidade de retorno. Todo bem deve ser feito enquanto a porta da vida está aberta.

Essa é a única parábola em que um nome é atribuído ao personagem. Ironicamente, Lázaro significa "Deus é minha ajuda". Cínicos poderiam zombar não do nome, mas do próprio Deus, que aparentemente não serve de ajuda aos milhões de famintos do mundo. O problema, contudo, não está com Deus, mas com Seus "mordomos". Deus criou um mundo com alimento suficiente para todos, mas o mundo não tem o suficiente para a ganância de todos. Enquanto muitos não têm o que comer, quase 50% da população em países ricos é obesa. Os livros mais vendidos nesses países têm que ver com dieta. Como emagrecer. Não parece realmente irônico que acusemos a Deus dos desequilíbrios criados pelo próprio homem? Os Dives do mundo continuam sem se encontrar com os vizinhos pobres e indiferentes à sorte e à miséria deles.


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